quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O deserto do Saara está a expandir-se

- Estudada a evolução das fronteiras do deserto do Sara num período de 93 anos. Concluiu-se que o deserto aumentou cerca de 10% e entre as causas estão as alterações climáticas de origem humana.
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O maior deserto (árido) do planeta ainda está a ficar maior. Esta é uma das principais conclusões de um estudo sobre o deserto do Sara feito por dois cientistas dos Estados Unidos e publicado esta quinta-feira na revista científica Journal of Climate. Por um lado, se olharmos para as dinâmicas anuais, este deserto expandiu-se cerca de 10% desde 1920. Por outro lado, se virmos só o Verão, o crescimento é de cerca de 16%.
Os cientistas estimam que as alterações climáticas, agora de origem humana, tenham contribuído para um terço dessa expansão. Os desertos quentes e secos são regiões que têm uma baixa precipitação anual. Normalmente, chove lá cerca de 100 milímetros por ano ou menos.
O deserto do Sara é uma dessas regiões e ocupa a maior parte do Norte do continente africano. E, tal como todos os desertos, as fronteiras do Sara mudam de acordo com as estações, expandindo-se no Inverno e contraindo-se no Verão. Isto é contra-intuitivo, mas como o Inverno é a estação mais seca na região do Sahel (a sul do Sara) o deserto parece maior porque se expande para sul. E contrai-se no Verão porque esta é a estação das chuvas no Sahel e, desta forma, o deserto fica mais estreito.
Aliás, vários registos paleoclimáticos e geológicos mostram-nos que os desertos têm uma dinâmica própria, causada por alterações climáticas naturais, que aumentam ou diminuem a sua extensão e fazendo-os aparecer ou desaparecer. “No último período glacial, o Sara era mais extenso do que atualmente, mas com o início do período interglacial o clima tornou-se relativamente úmido naquela região e o deserto retrocedeu”, explica o físico Filipe Duarte Santos no livro Alterações Globais: Os Desafios e os Riscos Presentes e Futuros (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2012). “Entre 8000 a.C. e 4000 a.C., grande parte do deserto do Sara estava coberto por savanas, em consequência de modificações nos padrões de circulação geral da atmosfera, e há cerca de 5000 anos adquiriu a configuração atual.” Este processo de desertificação foi natural, sem a intervenção humana, algo que não acontece atualmente.
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Os cientistas da Universidade de Maryland quiseram então saber quais as fronteiras actuais do deserto do Sara. Para isso, analisaram dados observacionais ou simulações climáticas históricas, incluindo dados da precipitação, num período entre 1920 e 2013. “Esta investigação é a primeira avaliação a uma escala secular das mudanças das fronteiras do maior deserto do mundo”, lê-se num comunicado da Universidade de Maryland.
Analisando uma área de sete milhões de quilômetros quadrados (a área climatológica média anual considerada como deserto), os cientistas viram que o Sara se tinha expandido globalmente cerca de 10% desde 1920 – o que corresponde a cerca de 700 mil quilômetros quadrados, ou seja, quase oito vezes a área territorial de Portugal e as suas ilhas. Consoante as estações, observou-se que o deserto pode aumentar entre 11% e 18%.
Numa tabela que acompanha o artigo destacam-se alguns países afetados por esta expansão: a nível anual, salienta-se o impacto na Mauritânia, no Mali, no Chade e no Sudão; no Inverno são mais afetados a Líbia, os Camarões e a República Centro-Africana; e no Verão são a Mauritânia, o Níger e o Chade.
“Entre 1920 a 2013, a expansão foi mais considerável no Verão, quando a área do deserto se expandiu cerca de 16%”, diz ao PÚBLICO Natalie Thomas, uma das autoras do trabalho. “A expansão no Verão foi maior no Sul porque está relacionada com a diminuição da precipitação na região do Sahel.”
Ora, o Sul do Sara encontra-se com o Sahel, uma zona de transição semiárida que está entre esse deserto e as savanas férteis (a sul). “O Sara expande-se à medida que o Sahel recua, destabilizando os frágeis ecossistemas da região e sociedades”, refere-se no comunicado. E um dos “termômetros” usados pelos cientistas para perceberem essas mudanças climáticas foi o lago Chade. “A bacia do Chade diminuiu na região onde o Sara avança para sul. E o lago está a secar”, explica Sumant Nigam, outro dos autores do artigo. “É muito visível que a pegada deixada pela diminuição da precipitação não é só local, mas em toda a região.”

Situação grave em África

O que causa esta expansão do Sara? Os cientistas estimam que a variabilidade normal do clima seja responsável por dois terços da expansão. Por exemplo, um regime de correntes conhecido como Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO, na sigla em inglês) – no qual as temperaturas oscilam entre fases quentes e frias num ciclo de 50 a 70 anos ao longo de uma grande faixa no Norte do oceano Atlântico – afecta as precipitação no Sahel e causa a expansão do Sara. Uma grande seca entre os anos 50 e 80 no Sahel – que levou a situações graves de fome e a grandes movimentos migratórios – é atribuída a esse fenómeno.
A Oscilação Multidecadal do Pacífico (PDO), em que há diferenças de temperatura no Norte do oceano Pacífico num ciclo de 40 a 60 anos, também tem o seu papel no crescimento do Sara. Já as alterações climáticas de origem humana – devido ao aumento dos gases com efeito de estufa na atmosfera – são responsáveis por um terço da expansão do Sara. “Geralmente, estes desertos formam-se nos subtrópicos por causa da célula de Hadley [modelo de circulação atmosférica], através do qual o ar sobe no equador e desce nos subtrópicos”, explica Sumant Nigam. “As alterações climáticas aumentam a circulação da célula de Hadley, causando o avanço para norte dos desertos subtropicais. Mas o avanço para sul do Sara sugere que estejam a funcionar também mecanismos adicionais, incluindo ciclos climáticos como o AMO.”

Esta expansão tem consequências na agricultura da região, assim como na segurança alimentar. “Com a população do mundo continuamente a crescer, uma diminuição da terra arável e da precipitação que sustenta as culturas pode ter consequências devastadoras”, alertam os cientistas, acrescentando que o continente africano tem menos capacidade adaptativa do que outros. “Espero que os resultados deste trabalho sejam um recurso para o planeamento e estratégia de adaptação às alterações climáticas em África”, diz Natalie Thomas.
E Sumant Nigam realça que a expansão pode acontecer também noutros desertos: “Os nossos resultados são específicos para o Sara, mas provavelmente têm implicações noutros desertos do mundo.” Mesmo assim, os cientistas dizem que há muito trabalho a fazer: “Com este estudo, a nossa prioridade foi documentar as dinâmicas da precipitação e da temperatura a longo prazo no Sara. O nosso próximo passo será observar o que provocou essas dinâmicas”, indica Natalie Thomas. “Já começamos a analisar as dinâmicas sazonais na América do Norte, por exemplo. Aqui, os Invernos estão a ficar mais quentes mas os Verões estão na mesma. Em África, passa-se o oposto – os Invernos estabilizaram, mas os Verões estão a ficar mais quentes. Por isso, o stress [climático] em África é já mais grave.”

Texto acessado em: https://www.publico.pt/2018/03/30/ciencia/noticia/o-deserto-do-sara-esta-a-expandirse-1808479


quinta-feira, 29 de março de 2018

Entenda por que a Síria vive nova onda de violência extrema após expulsão do Estado Islâmico


Os conflitos na região, que datam de 2011, não acabaram com a perda de poder do Estado Islâmico. Tensões regionais e disputas globais são acirradas, provocando milhares de mortes.


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Os conflitos na Síria não são recentes: desde março de 2011, a população do país vive em meio à guerra. As motivações são complexas e difíceis de se definir, já que forças internacionais tomaram partido e interesses regionais se conflituam, acirrando as tensões. Forças leais ao presidente Bashar Al-Assad, rebeldes, extremistas muçulmanos e potências estrangeiras fazem parte de uma situação complicada de se resolver.
Desde 2016, o Estado Islâmico (EI) tem perdido território e poder na Síria devido a diversas ações do governo de Assad e seus aliados. Com isso, países e grupos envolvidos, como Turquia, Irã, Rússia, EUA e Israel, xiitas, sunitas, curdos, árabes seculares e radicais islâmicos querem consolidar seus territórios e assegurar interesses. O resultado desse contexto são verdadeiros massacres, como o que tem acontecido em Ghouta Oriental, nas proximidades de Damasco, a capital. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 76% das residências de Ghouta Oriental foram devastadas, com mais de 500 mortos em cinco dias consecutivos de bombardeios. 

A região vem sendo atacada pelo governo sírio e seus aliados, entre eles, a Rússia e o Irã. O objetivo é a retirada das forças rebeldes que dominam Ghouta desde 2012. A população também sofre com a fome: o pão lá é 22 vezes mais caro que a média do resto do país, mais uma arma da Síria para enfraquecer rebeldes. No último sábado, a ONU aprovou uma resolução de um cessar-fogo de 30 dias a região, a qual foi rapidamente descumprida.

Contexto Histórico da Guerra

“A situação na Síria é muito mais complexa do que se pode imaginar”, diz a professora e coordenadora de atividades do curso de Direito da Unichristus, Silvana Melo. Para entender como o conflito chegou até onde está, é preciso saber de suas origens, em 2011. Nesse ano, muitos sírios se queixavam de um alto nível de desemprego, corrupção em larga escala, falta de liberdade política e repressão pelo governo de Bashar al-Assad, que havia sucedido seu pai, Hafez, em 2000. O governo foi extremamente repressivo com os protestos, prendendo e torturando manifestantes. “Foi uma situação de protestos que virou uma guerra civil”, explica Silvana. 
 

O conflito, que começou com ares políticos, deu espaço para diversas questões, como a religião. O Daesh, também intitulado como Estado Islâmico, nome pelo qual ficou mais conhecido, é um grupo religioso extremista que ganhou destaque dentro do embate por atos de terrorismo. Foi considerado um dos principais inimigos e responsável pela extensão da guerra.
O grupo realizou ataques terroristas em todo o mundo. Em 2015, o EI dominou metade do território da Síria após ocupar a cidade de Palmira, onde enfrentou e massacrou uma tribo de rebeldes. A derrubada do grupo foi prioridade dos EUA no governo de Donald Trump, que, para isso, se aliou até mesmo à Síria, antes sua adversária na luta. Estima-se que hoje o Daesh controle apenas 3% do território sírio.

Outros conflitos

Além dos bombardeios em Ghouta Oriental, outros conflitos acontecem dentro do território sírio por outras razões. “São várias guerras dentro de uma guerra”, resume a também professora do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (Gedai). Nas fronteiras com a Turquia, um conflito incessante entre o exército turco e curdos que lutaram contra o EI também recebe intervenções internacionais.

A luta se dá porque os curdos, um grupo étnico do Oriente Médio, querem fundar um estado independente, o Curdistão. A Turquia, por outro lado, quer impedir que isso aconteça para reafirmar seu território. Os curdos pediram ajuda da Síria nesse embate, que cederam os YPG (Unidades de Proteção Popular, na tradução da sigla). Na semana passada, o exército sírio conseguiu tomar Afrin, no noroeste da Síria. A guerra, no entanto, segue.
A posição dos EUA é instável durante a guerra. Após ter se aliado à Síria para derrotar o EI, os norte-americanos se voltaram contra o país após suspeitas de que os sírios estariam utilizando armas químicas, um apoio mal visto no contexto mundial de terrorismo, principalmente para um país do Conselho de Segurança. A demonstração da virada de lado não foi nem um pouco sutil: no ano passado, a potência bombardeou exércitos sírios em Deir az-Zour, algo que aumentou as tensões já acirradas.

Dificuldades de resolução

Uma controvérsia que permeia a guerra é a presença das potências internacionais Rússia e Estados Unidos, historicamente adversários. Uma pacificação na região por meio da ONU é difícil, já que esses se encontram em lados opostos da luta e ambos possuem poder de veto no Conselho de Segurança.
  
Segundo estimativas do Centro Sírio de Pesquisas Políticas (SCPR, na sigla em inglês), 470 mil pessoas já morreram desde o início da guerra civil síria, em 2011. Hoje, mais de 13,1 milhões de sírios precisam de ajuda humanitária. Para Silvana Melo, é importante que as pessoas conheçam diferenças conceituais para que refugiados não sejam estigmatizados. “Islã é diferente de terrorismo”, explica.
A guerra na Síria é longa e não tem perspectiva de paz no momento, na opinião da professora. “Enquanto houver influências regionais e internacionais, a guerra tem tendência a perdurar, e quem sofre mais são os sírios”, lamenta. “As partes deveriam abrir diálogo, mas é só guerra por cima de guerra. Para haver paz, todos os países têm que querer paz”, completa.

Fonte: O Povo Online