- Estudada a evolução
das fronteiras do deserto do Sara num período de 93 anos. Concluiu-se que o
deserto aumentou cerca de 10% e entre as causas estão as alterações climáticas
de origem humana.
O maior deserto (árido) do planeta
ainda está a ficar maior. Esta é uma das principais conclusões de um estudo
sobre o deserto do Sara feito por dois cientistas dos Estados Unidos e
publicado esta quinta-feira na revista científica
Journal of Climate. Por um lado,
se olharmos para as dinâmicas anuais, este deserto expandiu-se cerca de 10%
desde 1920. Por outro lado, se virmos só o Verão, o crescimento é de cerca de
16%.
Os cientistas estimam que as
alterações climáticas, agora de origem humana, tenham contribuído para um terço
dessa expansão. Os desertos quentes e secos são regiões que têm uma baixa
precipitação anual. Normalmente, chove lá cerca de 100 milímetros por ano ou
menos.
O deserto do Sara é uma dessas regiões
e ocupa a maior parte do Norte do continente africano. E, tal como todos os
desertos, as fronteiras do Sara mudam de acordo com as estações, expandindo-se
no Inverno e contraindo-se no Verão. Isto é contra-intuitivo, mas como o
Inverno é a estação mais seca na região do Sahel (a sul do Sara) o deserto parece maior
porque se expande para sul. E contrai-se no Verão porque esta é a estação das
chuvas no Sahel e, desta forma, o deserto fica mais estreito.
Aliás, vários registos paleoclimáticos e geológicos
mostram-nos que os desertos têm uma dinâmica própria, causada por alterações
climáticas naturais, que aumentam ou diminuem a sua extensão e fazendo-os
aparecer ou desaparecer. “No último período glacial, o Sara era mais extenso do
que atualmente, mas com o início do período interglacial o clima tornou-se
relativamente úmido naquela região e o deserto retrocedeu”, explica o físico
Filipe Duarte Santos no livro Alterações Globais: Os Desafios e os Riscos Presentes e Futuros (Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 2012). “Entre 8000 a.C. e 4000 a.C., grande parte
do deserto do Sara estava coberto por savanas, em consequência de modificações
nos padrões de circulação geral da atmosfera, e há cerca de 5000 anos adquiriu
a configuração atual.” Este processo de desertificação foi natural, sem a
intervenção humana, algo que não acontece atualmente.
Os
cientistas da Universidade de Maryland quiseram então saber quais as fronteiras
actuais do deserto do Sara. Para isso, analisaram dados observacionais ou
simulações climáticas históricas, incluindo dados da precipitação, num período
entre 1920 e 2013. “Esta investigação é a primeira avaliação a uma escala
secular das mudanças das fronteiras do maior deserto do mundo”, lê-se num
comunicado da Universidade de Maryland.
Analisando
uma área de sete milhões de quilômetros quadrados (a área climatológica média
anual considerada como deserto), os cientistas viram que o Sara se tinha
expandido globalmente cerca de 10% desde 1920 – o que corresponde a cerca de
700 mil quilômetros quadrados, ou seja, quase oito vezes a área territorial de
Portugal e as suas ilhas. Consoante as estações, observou-se que o deserto pode
aumentar entre 11% e 18%.
Numa
tabela que acompanha o artigo destacam-se alguns países afetados por esta
expansão: a nível anual, salienta-se o impacto na Mauritânia, no Mali, no Chade
e no Sudão; no Inverno são mais afetados a Líbia, os Camarões e a República
Centro-Africana; e no Verão são a Mauritânia, o Níger e o Chade.
“Entre 1920 a 2013, a expansão foi mais considerável no
Verão, quando a área do deserto se expandiu cerca de 16%”, diz ao PÚBLICO
Natalie Thomas, uma das autoras do trabalho. “A expansão no Verão foi maior no
Sul porque está relacionada com a diminuição da precipitação na região do
Sahel.”
Ora,
o Sul do Sara encontra-se com o Sahel, uma zona de transição semiárida que está
entre esse deserto e as savanas férteis (a sul). “O Sara expande-se à medida
que o Sahel recua, destabilizando os frágeis ecossistemas da região e
sociedades”, refere-se no comunicado. E um dos “termômetros” usados pelos
cientistas para perceberem essas mudanças climáticas foi o lago Chade. “A bacia
do Chade diminuiu na região onde o Sara avança para sul. E o lago está a
secar”, explica Sumant Nigam, outro dos autores do artigo. “É muito visível que
a pegada deixada pela diminuição da precipitação não é só local, mas em toda a
região.”
Situação grave em África
O que causa esta expansão do Sara? Os cientistas estimam
que a variabilidade normal do clima seja responsável por dois terços da
expansão. Por exemplo, um regime de correntes conhecido como Oscilação
Multidecadal do Atlântico (AMO, na sigla em inglês) – no qual as temperaturas
oscilam entre fases quentes e frias num ciclo de 50 a 70 anos ao longo de uma
grande faixa no Norte do oceano Atlântico – afecta as precipitação no Sahel e
causa a expansão do Sara. Uma grande seca entre os anos 50 e 80 no Sahel – que
levou a situações graves de fome e a grandes movimentos migratórios – é
atribuída a esse fenómeno.
A
Oscilação Multidecadal do Pacífico (PDO), em que há diferenças de temperatura
no Norte do oceano Pacífico num ciclo de 40 a 60 anos, também tem o seu papel
no crescimento do Sara. Já
as alterações climáticas de origem humana – devido ao aumento dos gases com
efeito de estufa na atmosfera – são responsáveis por um terço da expansão do
Sara. “Geralmente, estes desertos formam-se nos subtrópicos por causa da célula
de Hadley [modelo de circulação atmosférica], através do qual o ar sobe no
equador e desce nos subtrópicos”, explica Sumant Nigam. “As alterações
climáticas aumentam a circulação da célula de Hadley, causando o avanço para
norte dos desertos subtropicais. Mas o avanço para sul do Sara sugere que
estejam a funcionar também mecanismos adicionais, incluindo ciclos climáticos
como o AMO.”
Esta expansão tem consequências na agricultura da região,
assim como na segurança alimentar. “Com a população do mundo continuamente a
crescer, uma diminuição da terra arável e da precipitação que sustenta as
culturas pode ter consequências devastadoras”, alertam os cientistas,
acrescentando que o continente africano tem menos capacidade adaptativa do que
outros. “Espero que os resultados deste trabalho sejam um recurso para o
planeamento e estratégia de adaptação às alterações climáticas em África”, diz
Natalie Thomas.
E Sumant Nigam realça que a expansão pode acontecer
também noutros desertos: “Os nossos resultados são específicos para o Sara, mas
provavelmente têm implicações noutros desertos do mundo.” Mesmo assim, os
cientistas dizem que há muito trabalho a fazer: “Com este estudo, a nossa
prioridade foi documentar as dinâmicas da precipitação e da temperatura a longo
prazo no Sara. O nosso próximo passo será observar o que provocou essas dinâmicas”,
indica Natalie Thomas. “Já começamos a analisar as dinâmicas sazonais na
América do Norte, por exemplo. Aqui, os Invernos estão a ficar mais quentes mas
os Verões estão na mesma. Em África, passa-se o oposto – os Invernos
estabilizaram, mas os Verões estão a ficar mais quentes. Por isso, o stress [climático] em
África é já mais grave.”
Texto acessado em: https://www.publico.pt/2018/03/30/ciencia/noticia/o-deserto-do-sara-esta-a-expandirse-1808479
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